“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” – Leon Tolstoi.
A dialética pode ser entendida como o princípio fundamental de todas as ciências; neste aspecto, a antítese traz à baila questões essenciais – e muitas vezes impensáveis – sob o ponto de vista humano. Principalmente quando somos tomados por uma inopinada surpresa.
Quem sou eu para querer debater com Leonardo Boff, um ser respeitado, desde sua liderança inconteste na implantação da teologia da libertação até hoje: teólogo, militante de esquerda e reconhecido ambientalista.
Como sempre o olhei com respeito e admiração por sua trajetória política, sua posição pró-internacionalização da Amazônia é tão chocante que me parece inverossímil ser uma proposta sua.
Por entendê-la impatriótica, decidi descer à praça pública para argumentar – na contramão deste pensamento, a meu ver simplista, que seria permitir que o bioma mais rico em biodiversidade sobre a terra caísse em garras estrangeiras, por uma alegada incompetência nacional para sua gestão, face à emergência climática.
Neste ponto, a semântica se confunde com a política maior: o nacional brasileiro é uma relação direta da escolha do eleitor, em urnas, do nosso dirigente maior; enquanto o estrangeiro é uma equação de múltiplas incógnitas de povos distintos – a maioria não latina, pelo menos.
O conflito no Leste europeu tem demonstrado, sobejamente, que a geopolítica europeia de hoje está muito distante daquele 26 de dezembro de 1991. Um poeta, a uma proposta como esta, definiria como um salto no escuro.
Aqueles que me conhecem são testemunhas de que advogo que todos os esforços e medidas devam ser buscados para que possamos garantir melhor gestão das coisas do clima. Para isto, é fundamental promover-se a contenção necessária para não travessia de um ponto sem volta, no qual não tenhamos mais como reverter o aumento de 1, 5 grau na temperatura do Planeta – fato este que a comunidade científica mundial diz que seria catastrófico sob a vida humana na terra.
Este meu preâmbulo indica que quem vos fala não é um negacionista científico; ou não entusiasta da defesa ambiental. Pelo contrário: neste sentido, me somo às lutas que conheci de Boff pela nossa casa – a mãe terra.
A tal internacionalização do nosso bioma é tema recorrente, segundo pesquisas que realizei; e objeto do Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA) – acordo internacional entre os países amazônicos, que definiu seu uso tendo como fundamento: “soberania, a equidade, o desenvolvimento harmônico e a cooperação”.
Esta foi uma resposta a eventuais cogitações de internacionalização, num passado recente, por líderes de países ditos colonialistas (ou neocolonialistas, depois do fracasso do milenar domínio sobre nossos irmãos africanos).
Longe de mim, qualquer sentimento xenófobo ou reativo a ação internacional, mesmo que de ONGs estrangeiras em nosso território. Tudo é bem-vindo em colaboração ao nosso estado soberano e sem prejuízo aos nossos interesses e de nossa gente: nossa autonomia. Todavia, é preciso recordar que muitas vezes potências atuaram, em casos similares, maquiando suas verdadeiras intenções expansionistas.
Lembremos que, sob o simbolismo da fraterna colaboração, muitos destes países disfarçavam suas verdadeiras garras imperialistas, que, há séculos, bloqueiam nosso desenvolvimento, oprimem nossa gente e determinam que nossa natureza seja sua mera fornecedora de grãos (como a soja) e de carne, dentre outras commodities que desertificam nossa Amazônia, expulsam suas populações e esterilizam suas terras.
Nunca esqueçamos: somos a pátria do pau-brasil.
Por vezes, as consequências trágicas são produto final do uso excessivo de agrotóxicos, que envenenam nossas colheitas; mas poderia ser também pelo pisoteio do gado que provém seus bifes; ou pela própria emissão de gás metano das flatulências bovinas – tudo isso turbinado pela revolução verde do regime de 64.
Este programa do regime militar trouxe ao campo o modo de produção capitalista, ampliando a fronteira agrícola cada vez mais ao norte, permitindo aumento do custo da terra, grilagem, pistolagem e explosão da violência no campo, tendo como vítimas a floresta e suas populações tradicionais – fossem os ribeirinhos ou mesmo os povos originários indígenas.
Qual é, portanto, a legitimidade que povos que continuam promovendo a exploração intensiva e predatória – seja do seu meio ambiente ou de outros por meio de suas transnacionais – teriam para cuidar de nossa Amazônia, caro Boff?
Entendo que isso é mero requentar de um discurso, anacrônico, que justifica a simples tomada de nossa biodiversidade por aqueles que destruíram as suas, por séculos, ao adotar o capitalismo predatório e irresponsável.
Não! Não podemos compactuar calados com esta propositura.
Agora mesmo, a Corte Suprema dos EUA declarou restrições aos planos explícitados por seu presidente para a promoção de ações de mitigação e adaptação que impactariam na emissão de CO² na Atmosfera.
Enquanto isto, o nosso STF, tão atacado por negacionismo, reafirma ser constitucional e obrigatório o fomento do Fundo Amazônia por este governo, lesivo aos interesses ambientais que temos hoje no Brasil.
Lembremos que muitas das mineradoras que constroem seus buracos, como chagas, em nossa paisagem são de bandeira europeia – comunidade que lançou um “green new deal europeu”, que está longe e muito aquém do que precisamos para a transição energética justa e necessária.
Isto sem falar de sua queima continuada de carvão nas termoelétricas; ou na transferência de tecnologias sujas para países como nosso, que, dominado por elites políticas corrompidas, as aceitam como se benéficas ao nosso desenvolvimento. Em exemplo recente, a CSA, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, tem sido denunciada pela população local por envenenar o ar com a emissão de partículas na atmosfera.
Também são estes países que, por intermédio de capitais e investimentos em bolsas, financiam projetos duvidosos do ponto de vista ambiental, como os que foram realizados pela Vale/Samarco, que dizimaram dezenas de brasileiros em criminosas tragédias sucessivas, como acontecidas nas cidades de Brumadinho e Mariana.
A “verdade inconveniente” é que o tal modo de produção capitalista é transnacionalizado e impõe severos impactos ao clima e ao meio ambiente secularmente.
Este modo de produção (contemporâneo) não possui bandeira nacional; portanto, alegar que o discurso tupiniquim é um retrocesso para as causas ambientais é uma fábula. Pelo contrário. São medidas de cunho nacional, que podem – sim – proteger nossa Floresta de pé, como reduto de inigualável biodiversidade para o Brasil e para o mundo.
É verdade que o Brasil possui severos problemas nas mais variadas áreas; e que o atual governo é um exemplo do que pior podemos fazer em termos de gestão ambiental. Porém, não há legitimidade em nenhum setor ou país estrangeiro pra arguir a gestão dos nossos recursos e nosso verde. Neste quesito, existe uma realidade maior: nosso país é uma entidade perene; e seu governo, um elemento cíclico, com duração de quatro anos.
Aqui, temos – sim – grupos que podem promover a defesa da Amazônia de pé, bem cuidada e bem gerida. É perfeitamente possível a recuperação de nosso bioma, a partir da construção de um robusto Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável, que pode contribuir com a racionalização do necessário debate sobre os bons usos de nosso bioma ameaçado.
Existe, entre nós brasileiros, incontável contingente de lideranças – entre as quais, me incluo, na qualidade de dirigente do movimento pedetista EcoTrabalhismo, de cepa “vargojangodarçajurunabrizolista” – que compreende que soberania e sustentabilidade caminham lado a lado. Posso garantir que nossos filiados não estão dispostos a ceder um milímetro, seja em relação a defesa de nossa Floresta ou de nossa soberania.
Sugiro então, caro Leonardo Boff, que reflita bastante sobre sua assertiva, dado que sua voz é uma potência; o que traz, necessariamente, em torno dela, um caudal de brasileiros comprometidos com a boa política. Entendo que sua trajetória não permite a transmissão de tamanho devaneio, que pode ser entendido como entreguista.
Todos, no planeta, que desejarem auxiliar, investir e proteger nossa Floresta – mantendo-a saudável e vigorosa – são bem-vindos; poderão trazer suas contribuições.
Afinal, como nos alertou o Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si, in verbis: “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” .
Para isto, é imprescindível frear o desenvolvimento pretadório, especialmente o praticado pelas grandes potências poluidoras as quais continuam emitindo CO² descontroladamente.
Lembremos que o Brasil tem a maior Floresta em pé do mundo; possui a matriz energética mais limpa; e temos aqui ainda muitos brasileiros, inspirados em Chico Mendes, Sirkis, Bruno, Dom, Doroty ou Juruna – simples ou qualificados –, dispostos a cuidar carinhosamente da Amazônia, a nossa floresta, de forma soberana, sem que isto se contraponha à importância deste bioma para o mundo.
Por fim, Amazônia Internacional – engloba nove países: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Isso equivale a 7 milhões de quilômetros quadrados da América do Sul. Mais de 60% dessa área está no Brasil.
Não à internacionalização. A Amazônia é nossa!