A cultura é um elemento central que identifica e unifica um povo, sendo uma espécie de cimento da construção de uma nação. Essa identidade cultural é fundamental à manutenção de um projeto nacional de país, que se revela em seus hábitos alimentares, de vestir, seus costumes, nos seus tratos com a natureza e a sua comunidade. E, de forma mais explícita, em seus valores estéticos, representados fortemente nas suas expressões artísticas como: música, teatro, cinema, literatura, dança, artes plásticas etc. Podemos até extrapolar essa ideia entendendo como fenômenos culturais o futebol, esportes em geral, o hábito de frequentar as praias ou o conjunto de bares e restaurantes de uma localidade. Até mesmo a internet e os games, tal qual uma série de atividades não propriamente conhecidas comumente como tal, podem refletir o “DNA” cultural de um povo.
Contudo, para além dessa dimensão maior e mais profunda do papel da Cultura, coexiste também a sua dimensão econômica. Isto é, do ponto de vista prático a Cultura, para além de seu poder de reflexão crítica e entendimento de mundo ou de entretenimento e lazer, emprega, remunera e contribui para o desenvolvimento econômico. Estudo realizado pela FGV aponta que, para cada 1 real investido no setor cultural, o respectivo retorno é de 3 reais. Ou seja, é uma atividade superavitária e extremamente rentável. Diferentemente do que alguns setores da sociedade costumam argumentar.
Grande parte do PIB do Brasil é constituído pelo setor de Serviços, no qual a indústria criativa está inserida. Eventos culturais como shows de música, festivais, peças de teatro, festas populares envolvem um espectro amplo de trabalhadores, para muito além do artista em si: iluminadores, produtores, cenógrafos, músicos, dançarinos, divulgadores, profissionais da bilheteria, profissionais do bar, profissionais da limpeza, profissionais da segurança… até mesmo o clássico pipoqueiro na porta do teatro.
Toda essa cadeia produtiva forma uma rede extensa, porém ainda frágil em nosso país, que se retroalimenta, sendo capaz de gerar riqueza econômica para além da riqueza intelectual e espiritual também geradas. Segundo o SEBRAE a economia criativa representa 3 % do PIB nacional. Enquanto, no resto do mundo, representa um pouco mais de 10%. Tais indicadores dizem muito sobre o tamanho do potencial desperdiçado.
Um exemplo prático e visível para qualquer carioca deste poder da indústria cultural é o nosso Carnaval. Segundo dados da RIOTUR, a maior festa popular do país teve um impacto de 3,8 bilhões na economia do Rio de Janeiro no ano de 2019. A ocupação da rede hoteleira foi de 90% no período. A despeito do imenso valor do legado cultural e da força emblemática das Escolas de Samba, dos blocos de rua, dos bailes de carnaval e desfiles de fantasias, existe em paralelo um inegável fato econômico relevante em curso.
É importante ressaltar esses aspectos econômicos significativos da cadeia produtiva cultural, muita impactada pela pandemia, mas também fortemente atacada pela visão político-ideológica do atual governo. Basta lembrar que o presidente Bolsonaro, em seu primeiro ato, promoveu uma reforma administrativa que simplesmente extinguiu o MINC. Dando um recado claro de como seria a visão de seu mandato sobre a Cultura.
Mais recentemente, a Lei Aldir Blanc 2 de Fomento à Cultura que preve repasses anuais da ordem de 3 bilhões, como iniciativa de socorro ao setor duramente atingido pela pandemia. foi vetada pelo Presidente Bolsonaro justificando que a mesma era inconstitucional e contrariava o interesse público, felizmente o Congresso derrubou o veto.
Considerando que o PIB, todas as receitas e riquezas geradas num ano pela economia do país, é da ordem de R$3 trilhões, iniciativas como as Leis supracitadas representam cerca de 0,1% de nosso orçamento anual. Essas proporções dão a exata medida do valor filosófico e econômico que nós brasileiros damos a nossa Cultura. Talvez, por isso seja tão difícil construir minimamente um pacto social civilizatório brasileiro, uma vez que um povo que não valoriza sua Cultura sequer se reconhece como povo. Ou ainda, experimente conversar com artistas e pessoas do meio, principalmente dos setores e estilos menos populares, experimentais ou de vanguarda. Deles é possível ouvir uma velha máxima de que, no Brasil, se faz arte por amor, porque financeiramente não compensa.
Portanto, é urgente, em primeiro lugar, desconstruir a retórica que tenta criar a ideia de que a indústria criativa é deficitária e que investimento em Cultura é desperdício de dinheiro público. Pelo contrário, a despeito de gostos pessoais por estilos e estéticas, investir em cultura é sempre um ótimo e rentável meio de gerar e distribuir renda e desenvolvimento do país.
Em segundo lugar, é fundamental potencializar ainda mais esse setor tendo em vista sua incontestável rentabilidade, aumentando os investimentos públicos ou criando mecanismos de incentivo ao investimento na iniciativa privada. Diante do cenário mundial atual, com as novas tecnologias da informação, a indústria 4.0, a inteligência artificial, a robótica, muito do mundo formal do Trabalho simplesmente desaparecerá nos próximos anos. É o que revela o estudo Projetando 2030: uma visão dividida do futuro encomendado pela Dell Technologies ao IFTF (Institute For The Future), que analisou os impactos dessas tecnologias até 2030. A pesquisa, que contou com a participação de 3800 líderes de negócios de médias e grandes corporações em 17 países, incluindo o Brasil, estima que 85% dos trabalhos que existirão em 2030 serão novos. Assim como, muitos dos atuais empregos não mais existiram.
Desta maneira, o novo paradigma na percepção da indústria criativa- limpa, rentável, sustentável e inovadora- está posto. Ela será um dos principais motores econômicos e amortecedores das tensões sociais das novas gerações. Num futuro onde a força de trabalho é a máquina, a Cultura será uma atividade capaz de gerar empregos, renda e bem estar social.