Nós, trabalhistas, não entendemos a democracia como o simples ato de votar. É possível que existam eleições, e até mesmo o sufrágio universal, em um regime plutocrático (governo das elites, o oposto democrático). Pinochet, o criminoso ditador chileno, promoveu barbaridades sob o manto de uma suposta legitimidade conferida por plebiscitos. O malthusiano Alberto Fujimori, recém-liberto, foi eleito e reeleito, ao mesmo tempo em que esterilizava em massa peruanas pobres, talvez imaginando que assim erradicaria a pobreza. Por isso, é histórico que aberrações surjam, também, das urnas, como Bolsonaro em 2018.
Naquela ocasião, nós que estivemos com Ciro Gomes no primeiro turno e com Fernando Haddad no segundo, prontamente reconhecemos a lisura do processo eleitoral e a vitória do ex-presidente Jair Bolsonaro. Desejamos, genuinamente, que ele fizesse o melhor pelo país. Sabíamos que com Paulo Guedes como o verdadeiro governante seria improvável, mas reconhecemos aquela eleição como fruto da escolha da maioria da população.
O mesmo sistema eleitoral que elegeu Bolsonaro, reconduziu Lula. As mesmas urnas, a mesma paridade de tempo de TV no segundo turno, os debates, todo o rito. E nem vou abordar a denúncia feita pelo jornalista Caco Barcellos no programa “Profissão Repórter”, na semana posterior ao segundo turno, que denunciou o uso da máquina pública no interior do Brasil para a promoção do candidato oficial junto aos beneficiários do antigo Auxílio Brasil. Aquele mesmo Bolsonaro que aceitou a própria eleição em 2018, rejeitou a derrota em 2022, com alegados indícios de fraude jamais comprovados. Iniciou, então, a fantasia de alguém que, na oposição é vitorioso, mas com a caneta e as chaves do cofre nas mãos, seria perseguido e boicotado pro todos e estaria de mãos atadas para confrontá-los. Uma vitimização delirante.
A intentona de seus apoiadores, exato um ano atrás, contou com sua complacência. Donald Trump, um pouco menos irresponsável, quando viu uma eleitora se esvair em sangue nos tapetes do Capitólio, correu para pedir que seus apoiadores saíssem dali. Nem para isso Bolsonaro serviu. Não vou entrar no mérito da viabilidade ou não de um golpe bolsonarista naquela ocasião. Essa conjectura leva a algumas conclusões, como um festival de sanções internacionais que se abateriam sobre o Brasil e destruiriam nossa capacidade produtiva e a estabilidade da nossa moeda, promovendo inflação e desemprego em massa. Mesmo que jamais lograssem êxito, foi por isso que seus apoiadores procuraram.
Que nesse dia, lembremos que democracia plena se constrói a cada amanhecer, com trabalho duro para que de fato o governo represente os interesses do povo, em suas distintas esferas. Não basta ao povo votar, é preciso que ele seja ouvido. O punhado tresloucado que depredou a Praça dos Três Poderes jamais representou o povo brasileiro. Estava a serviço das elites transnacionais que pilham o Brasil há séculos, e às quais Bolsonaro sempre prestou continência. Que os irresponsáveis que financiaram e instigaram a baderna sigam sendo rigorosamente punidos, dentro do devido processo legal. E que o eleitor brasileiro nunca se esqueça daquela tarde, em que um barulhento segmento quis desrespeitar sua vontade expressa nas urnas.
Publicado originalmente em: https://revistaforum.com.br/debates/2024/1/8/bolsonaristas-de-81-no-representam-povo-brasileiro-por-everton-gomes-151844.html