Com a proximidade das eleições, muitos parlamentares passam a se apropriar de determinadas agendas públicas, de forma a se colocarem como os salvadores da pátria. Na Ilha do Governador, bairro onde vivo, vereadores locais brigam , em suas redes sociais, pelo crédito da reforma que a Prefeitura realizou numa praça – Oswaldo Bouças – conhecida como pracinha do Quebra Coco. O curioso é que ambos brigam pelo playground inclusivo, mas não percebem que, mesmo com a reforma realizada, o espaço segue sem acessibilidade em vários trechos.

O Rio tem cerca de 25% de pessoas com deficiência (PCD ‘s) ou com dificuldades motoras, especialmente idosos, mas poucas são as áreas verdes da cidade que estão em condições de receber de forma plena todos os cidadãos.
Hoje temos uma Fábrica de Praças Carioca, bom projeto da Prefeitura do Rio, mas que ainda garante pouco ou não dispõe de forma transparente as informações gerais sobre os projetos em andamento. Desta forma é difícil, ou quase impossível, sabermos se de fato há uma política pública estruturante de adaptação de praças já consolidadas ou de construção de novos locais com padrões mínimos de acesso. Por que não pensamos na criação de um “índice de acessibilidade ” das áreas verdes cariocas? A sociedade poderia acompanhar como estão as condições de acessibilidade na cidade.
Há alguns anos, tive a felicidade de presidir a Fundação Parques e Jardins, fui escolhido, à época, pelo prefeito Eduardo Paes. Recordo que ansiava por promover ações inovadoras na gestão de praças e parques do Rio. Certo dia esbarrei com um abaixo – assinado com milhares de assinaturas que relatava o tortuoso caminho de uma mãe, Consuelo Machado, ativista do movimento “Piquenique Inclusivo – Praça Adaptada” , que lutava há muitos anos para garantir o direito de seu filho, o menino Arthur, de brincar na Praça Iaiá Garcia, na Ribeira. O local do playground era cercado e o portão tinha metragem menor que o tamanho da cadeira de rodas que o menino utilizava à época, isso impedia que o pequeno Arthur pudesse fruir do espaço em seu bairro como seus demais amiguinhos. Fiquei muito comovido e convidei àquela mãe e outros atores para a construção de novos diálogos que pudessem produzir espaços melhores e verdadeiramente de todos na cidade.

Recordo que, outro fato que me chamava atenção, durante as visitas nas praças percebia que muitas crianças davam preferência aos aparelhos das Academias da Terceira Idade (ATI), ao invés dos tradicionais brinquedos como balanço, escorrega, gangorra e trepa-trepa. Sem dúvidas, em tempos de videogame, o design desses brinquedos se torna pouco convidativo.
Por último, tive acesso a dados do Instituto Alana e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) que informava sobre a existência de uma doença (Transtorno de Déficit de Natureza) que provoca problemas físicos, como a obesidade, e mentais, como depressão, hiperatividade e déficit de atenção por falta de contato das crianças com a natureza. Segundo dizem os especialistas, isso atinge hoje uma grande parcela de crianças e adolescentes em desenvolvimento, e um dos melhores tratamentos é trazê-los de volta ao contato com o meio ambiente, no meio urbano, a alternativa para isso são os parques públicos e praças.
Foi neste contexto, de busca pela inovação, em prol de uma cidade mais acessível e saudável para todos, que realizamos o Seminário Internacional Vem Brincar , que naquele longínquo ano de 2016, sob a liderança da excepcional equipe da Fundação Parques e Jardins, buscou soluções urbanas e projetos pensados para mudar a cara das praças e parques cariocas, tornando-os verdadeiramente espaços verdes comunitários de uso pleno para todos.
Ainda na Ilha do Governador, fruto daquele seminário, surgiria um primeiro experimento: a ideia seria realizar na Praça Iaiá Garcia – o cenário de reivindicação da Consuelo – o palco deste novo conceito: praça para todos. Deveria-se garantir que a praça recebesse uma reforma na qual seu playgroud ganharia brinquedos para todas as crianças, independente de suas possíveis limitações. Infelizmente, já estávamos naquela altura ao final do governo, e a execução do projeto planejado ficou para a gestão seguinte. Infelizmente, o projeto acabou engavetado e fizeram reformas entregando brinquedos EXCLUSIVOS para PCD’s o que vai totalmente na contramão da inclusão. Lastimável!

Mais recentemente, enquanto os nobres vereadores brigam por um único espaço reformado pela Prefeitura, pude conhecer outras praças, que mesmo com mobiliário para PCD’s, acabam usando sinalizações restritivas, isto é, não usam os ícones apropriados do Símbolo Internacional de Acesso (conforme a ABNT NBR 9050) , e até mesmo pude ver vagas de carro acessíveis com tento rebaixado, enquanto ao seu lado o acesso a praça mantinha o tento alto e sem rampa de acesso para pessoas. Sem falarmos das inúmeras praças sem banheiros (fundamental para uso de idosos e gestantes), com mobiliários quebrados e sem fraldários (importantíssimo para acesso de pais com bebês). Poderíamos listar inúmeras necessidades sobre o tema, e todos os vereadores cariocas teriam um ítem para chamar de seu. Não faltam motivos para lutar por melhorias estruturantes e amplas, mas pelo jeito, o vício da nossa política eleitoral só permite aos tomadores de decisão e parlamentares lembrarem de acessibilidade e inclusão em época de eleição.

Esperamos que ainda no presente, não muito distante, os governos e os parlamentares parem de tratar a pauta apenas de forma eleitoreira e oportunista, como a tal guerra pela paternidade da praça citada acima, e avancem na compreensão de que é preciso promover um projeto estruturante e bem pensado de inclusão e acessibilidade.
Isso permitirá uma cidade mais inclusiva, saudável, feliz e sustentável para todos!